MPF arquiva inquérito que apurava responsabilidade do Porto de Suape por ataques de tubarões no litoral de Pernambuco
O Ministério Público Federal (MPF) arquivou o inquérito que apurava a responsabilidade do Complexo Industrial e Portuário de Suape por danos ambientais que contribuíram para a ocorrência de ataques de tubarões no litoral de Pernambuco. Para o órgão, não é possível comprovar que a construção do porto foi "a causa direta ou única" do problema.
Os incidentes com tubarões na costa pernambucana são monitorados desde 1992. Nesses últimos 33 anos, foram registrados 77 casos (saiba mais abaixo). Construído em 1978 a 50 quilômetros do Recife e próximo de praias turísticas como Muro Alto e Porto de Galinhas, o Porto de Suape começou a operar em 1983, apenas nove anos antes do primeiro incidente.
As informações sobre o arquivamento foram publicadas pelo Blog do Jamildo e confirmadas pelo g1. A decisão foi assinada no dia 20 de março pela procuradora da República Mona Lisa Duarte Aziz.
A investigação foi aberta pelo próprio MPF em outubro de 2013, após uma audiência pública que discutiu a possível relação entre o aumento no número de ataques e a instalação do complexo portuário, localizado no município de Ipojuca, no Grande Recife.
Segundo a procuradora, durante o inquérito, foram ouvidos especialistas do Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH), além do próprio Porto de Suape.
"A tentativa de demonstrar a responsabilidade de Suape pelo aumento de incidentes com tubarões na RMR restou superada, ante a impossibilidade de se comprovar que a degradação ambiental causada pela instalação do complexo portuário tenha sido a única e decisiva causa para o aumento na incidência desses incidentes, embora não possa ser excluída como uma concausa", afirmou Mona Lisa Duarte Aziz.
Apesar disso, de acordo com a procuradora, "não há como negar" que a operação de Suape modificou o comportamento da fauna marítima local e considerou que o próprio estudo de impacto ambiental do porto, feito em 2000, já previa impactos negativos das obras na área do porto.
Dessa forma, segundo Mona Lisa Duarte Aziz, a investigação começou a analisar medidas compensatórias, incluindo ações de prevenção e educação ambiental, por parte da administração do porto.
"Uma vez demonstradas as ações adotadas por Suape e pelo órgão ambiental, com vistas à prevenção e monitoramento de incidentes com tubarões nas praias do litoral da RMR, e, ainda, a adoção de medidas de educação ambiental, entende-se que o presente procedimento exauriu seu objeto", afirmou a procuradora da República.
Pesquisador analisa arquivamento
Integrante da Sociedade Brasileira para o Estudo de Tubarões e Raias e doutor em engenharia de pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o pesquisador Jonas Rodrigues lamentou que o caso tenha sido arquivado pelo MPF.
“É uma pena porque é sabido que a construção de Suape é um fator que contribui, sim, para a ocorrência dos incidentes com tubarões no litoral pernambucano. É claro que existem múltiplos fatores e, da forma como querem responder, com um sim ou não, não existem elementos suficientes”, considerou Rodrigues, em entrevista ao g1.
O pesquisador lembrou que os primeiros estudos realizados por cientistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) apontam um impacto ambiental significativo na fauna do litoral, com mudanças na presença de espécies, provocadas após a implementação do Porto de Suape.
Argumentou também que houve redução nos recursos destinados para pesquisas sobre o assunto desde 2012. Para Rodrigues, a falta de estudos afeta o monitoramento das espécies e a possibilidade de desvendar mais informações sobre o comportamento dos tubarões e a influência de fatores que envolvem questões como a atuação do porto, o aumento da poluição e os impactos das mudanças climáticas.
“As pesquisas terminaram em 2011, 2012. De lá para cá, são mais de dez anos. Nesse tempo, somaram-se outras questões, como as mudanças climáticas, e a gente não consegue saber os impactos porque não tem mais estudos. Não adiantam os editais para fazer educação ambiental e os contemplados não levarem em consideração o saber que já foi construído. É preciso mais informações para elucidar melhor as causas [da presença e dos incidentes com tubarões]", considerou.
Jonas Rodrigues explicou ao g1 que o último diagnóstico foi publicado em 2019 e que já são seis anos sem editais para financiar pesquisas sobre o assunto. "Se não existe atualização do conteúdo, não significa que não está acontecendo o impacto”, afirmou o engenheiro de pesca.
O pesquisador lembrou que as informações já conhecidas apontam para a existência de registros históricos da população de tubarões no litoral de Pernambuco, que a região é uma área favorável para a reprodução da espécie e que o relevo facilita a proximidade dos animais das praias.
“Os argumentos de que os estudos não são conclusivos e de que os casos diminuíram são interessantes porque para haver mais conclusões é preciso que haja pesquisas. Os projetos de educação ambiental colocaram limitações para o banho de mar. Então, o fato de o número de incidentes ter diminuído é porque as pessoas não estão entrando na água do mar”, argumentou.
Para Jonas Rodrigues, o financiamento de pesquisas sobre a fauna do litoral pernambucano e, em especial, sobre o comportamento dos tubarões, deveria ser um interesse do Porto de Suape, que poderia colocar este tipo de ação entre os projetos de compensação ambiental que a administração do complexo portuário é obrigada a realizar.
“Se colocassem uma parte desses recursos [de compensação ambiental] para fomentar um estudo sério, imparcial, sobre a questão, já seria suficiente para dar parâmetros seguros para que a população pudesse usufruir das praias. Seria uma forma de proporcionar melhorias para a região em que o porto atua. É necessário vontade política para ter respostas técnico-científicas para elucidar essa questão”, finalizou o especialista.
Histórico de ataques
Os casos de ataques de tubarões se tornaram comuns em Pernambuco no início dos anos 1990. Os últimos registros de incidente no estado aconteceram há dois anos. Relembre abaixo:
6 de março de 2023: uma adolescente de 15 anos teve parte do braço esquerda amputada depois de ser atacada por um tubarão na praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
5 de março de 2023: apenas um dia antes, outro adolescente, de 14 anos, teve a perna direita mordida por um animal enquanto tomava banho de mar na mesma praia.
20 de fevereiro de 2023: um surfista foi atacado na Praia dos Milagres, em Olinda, e mordido na coxa e na perna esquerda.
Fonte: G1
Post a Comment