Projetos para o entorno da Arena de Pernambuco, palco da Copa de 2014, não saíram do papel
Oito anos após a Copa de 2014, a promessa de construir uma cidade-modelo inteligente no entorno da Arena de Pernambuco, em São Lourenço da Mata, no Grande Recife, segue longe de sair do papel. Na região, que seria desenvolvida com a criação da "Cidade da Copa", a chegada do Mundial do Catar, em 2022, provoca desânimo em moradores e empresários (veja vídeo abaixo).
A Arena de Pernambuco foi o único estádio do torneio de 2014 construído fora de uma capital. A justificativa do governo pernambucano era de que o empreendimento, que fica a 15 km do Centro do Recife, seria o pontapé de uma cidade planejada e exemplo de desenvolvimento urbano.
No projeto, a "Cidade da Copa" reuniria universidade, shopping center, centro de convenções, hotéis, museu, teatro e conjuntos habitacionais. O g1 esteve no local no último dia 17 e constatou que nada foi construído além do estádio, que custou mais do que o planejado inicialmente.
Roberto Martins da Silva, de 52 anos, mora há quase três décadas no Viana, bairro popular de Camaragibe, cidade do Grande Recife que fica em frente ao Ramal da Arena, eixo viário construído para dar acesso aos jogos. Da casa dele, é possível ver o estádio, mas o desenvolvimento prometido não chegou.
A Rua Maria Rosa, onde Roberto vive, fica a 1,7 km da Arena. Lá, não tem calçamento, e o lixo é jogado em via pública. Quando o projeto de construção de uma cidade inteligente foi anunciado, ele conta que a comunidade esperava passar por grandes mudanças.
"Estávamos contando com isso. Uma Copa do Mundo logo na nossa cidade, com a Arena Pernambuco do lado da gente aqui. Mas a preocupação deles só foi com a parte da estrada. E o povo ficou no prejuízo", conta.
Além dos problemas que já existiam no bairro, outros se somaram após a chegada da Arena. O Ramal da Arena, sem iluminação e policiamento, virou um foco constante de assaltos, conta Roberto.
Nem os ônibus que saem do terminal integrado de Cosme e Damião, criado para a Copa, passam pela comunidade, diz o líder comunitário.
"O estádio está abandonado, é um elefante branco. Só fazem alguma coisa em dia de jogos. Podia criar alguma coisa ali para atender a população. Os hospitais estão todos lotados, pessoas dormindo no corredor. Poderia utilizar a Arena, colocar médico ali para atender o pessoal, que ia ser bem melhor", sugere Roberto.
Frustração
Ele não é o único insatisfeito. Do outro lado do Ramal fica o conjunto habitacional Reserva das Flores, construído na esperança de que a região se tornasse um polo de empregos e serviços da Região Metropolitana.
Cada um dos quatro condomínios, um ainda em construção, tem 216 apartamentos, totalizando cerca de três mil moradores.
Ian Farias foi um dos primeiros a chegar ao local, em 2020. Na época, embora o Mundial já tivesse passado, ele conta que muitos moradores ainda esperavam que o projeto da Cidade da Copa saísse do papel.
"Um dos principais problemas que a gente enfrenta aqui é a questão de segurança e iluminação. Até o próprio acesso no sentido da Arena de Pernambuco, muitos moradores optam, às vezes, por fazer um caminho mais longo, pelo Centro de Camaragibe, do que ir para o lado de lá", explica.
Hoje síndico de um dos condomínios, o Jardim das Alfazemas, Ian também se queixa da falta de serviços, já que não há mercados ou nenhum outro tipo de comércio no entorno dos prédios.
"A gente sente uma frustração. Como morador de Camaragibe, a promessa que foi feita para a gente é que seria muito desenvolvido, com a 'Cidade da Copa', que teria melhorias de transporte público, de serviços. E a gente vê que não foi dessa forma", contou o morador, que vive com a esposa e dois filhos.
Torcedor do Náutico, Ian pensou que aproveitaria que mora próximo ao estádio para ir à Arena assistir aos jogos do time, o que chegou a fazer algumas vezes. Hoje, porém, ele comemora o retorno do clube para os Aflitos, na zona Norte da capital, porque diz que mesmo para ele, que mora próximo ao estádio, o acesso é ruim.
"Não é uma distância tão curta para ir andando. E, se você optar por ir de carro, só há uma via para chegar lá. No retorno, a gente passa muito tempo no engarrafamento para voltar para casa", avalia Ian.
Fonte de prejuízo
Desde a construção, a Arena de Pernambuco foi cercada por problemas. Inaugurada em maio de 2013 com troca de passes entre o então governador Eduardo Campos (PSB) e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o estádio foi o último dentre os que sediariam a Copa das Confederações a ficar pronto, após uma sequência de greves.
O estado gastou R$ 479 milhões para construir o empreendimento de 46 mil lugares. Mas o valor final da obra foi contestado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). O contrato foi investigado pela Polícia Federal.
A gestão da Arena começou como uma parceria público-privada (PPP) com a Odebrecht. Mas a receita esperada nunca foi alcançada.
O contrato foi rompido em junho de 2016, com o pagamento de uma indenização de R$ 246,8 milhões por parte do estado. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que embasou a decisão apontou que a frustração de receitas ocorreu por causa da subutilização do estádio.
Na época, a promessa do estado era fazer uma nova concessão do equipamento, o que nunca aconteceu.
Problemas persistem
A gestão do estádio segue deficitária até hoje. Segundo a assessoria do governo do estado, o equipamento arrecada, em média, R$ 216 mil por mês. O custo de manutenção da Arena é de R$ 690 mil por mês, de acordo com o governo.
Em 2021, o estádio sediou 39 jogos; o principal deles sendo a partida entre Brasil e Peru pelas eliminatórias da Copa.
Desde o início do ano, foram 27 jogos profissionais no estádio, dentre os quais a final entre Sport e Fortaleza pela Copa do Nordeste, considerada o recorde de público entre clubes no estádio, com 42.544 torcedores.
No ano passado, ainda sob o impacto da pandemia de Covid-19, a Arena recebeu apenas um grande evento, segundo o estado, uma celebração artística voltada para o público evangélico.
Em 2022, foram oito shows de grande porte de artistas como Gusttavo Lima, Milton Nascimento e Ludmilla.
O estádio também recebeu este ano o seu primeiro show internacional, a abertura da turnê da banda americana Guns N’ Roses.
Negócios impactados
Eventos artísticos como estes nem sempre representam um benefício para quem investiu na região. Maciel Saraiva, de 30 anos, comprou em 2015, com um sócio, um restaurante que fica a 700 metros da Arena.
Ele diz que não lucra muito quando tem shows, porque a maioria é open bar ou já tem atendimento interno ao público.
O resultado é melhor quando tem alguma partida no estádio. "Quando o jogo é bom, o faturamento é uns 50% a mais do que no dia a dia. Mas quando é um time pequeno que vem jogar, às vezes, nem o segurança vem jantar aqui", diz Maciel.
Para o empresário, jogos bons são finais entre um dos times grandes do Recife. Ou os que envolvem equipes do Sudeste, como os que ocorreram quando o Sport estava na série A do campeonato brasileiro.
"Eu lembro do pessoal falar que ia ter shopping, faculdade, vários condomínios, cinema. Mas ficou só o campo. Achávamos que ia beneficiar bastante", explica Maciel, sobre a decisão de investir no entorno do estádio.
Pode fechar
Quem também apostou na promessa de desenvolvimento da região foi Edmundo Severino de Lima, de 56 anos. Em 2007, ele abriu um restaurante numa área que foi desapropriada por causa da construção da Arena.
Com o dinheiro da indenização, ele abriu um negócio maior, do outro lado da BR-408, na expectativa de que o estádio e, principalmente, a Cidade da Copa, fossem aumentar a demanda na região.
"Aí veio a decepção. A gente pensava que vinha para cá universidade, hotel, a 'Cidade da Copa'. E nada disso veio. A Arena começou a ser abandonada ali. Tem alguns eventos, muito poucos e fechados. Não ajudam os comerciantes daqui da região, que fizeram o investimento", opina Edmundo.
Esse não é o único problema do empresário. Durante a pandemia, o restaurante foi impactado. Ficou fechado por quatro meses, teve de demitir alguns funcionários e cortar cursos.
Quando as coisas pareciam melhorar, a obra de triplicação na BR-232, rodovia que dá acesso à BR-408, fez o número de clientes despencar novamente.
Somados aos assaltos na região, o cenário é de desânimo. "Se não vier algum investimento para cá, eu já estou pensando em fechar aqui. Porque não adianta trabalhar deste jeito, sem segurança, com esse abandono aí. A expectativa é muito ruim. Não só para mim, mas para outros comerciantes aqui em volta", avalia Edmundo.
No curto prazo, ele espera que a Copa do Catar ajude a manter o negócio. Inteiramente decorado de verde e amarelo, o restaurante vai transmitir partidas do Mundial para tentar atrair a clientela.
Futuro da Arena
Uma queixa comum a todas as pessoas ouvidas pelo g1 na região é a falta de informações do estado sobre se os investimentos na Arena e na "Cidade da Copa" ainda estão previstos, quando eles podem ocorrer e quais as alternativas pensadas para o entorno do estádio.
Procurada, a assessoria da governadora eleita Raquel Lyra (PSDB) não respondeu a questionamentos sobre projetos para o local. O plano de governo registrado por ela na Justiça Eleitoral, de 71 páginas, não menciona nenhuma vez a Arena de Pernambuco ou a Cidade da Copa.
O governo Paulo Câmara (PSB) também não cita nenhum plano em andamento para a região. "Assim como vários outros projetos imobiliários, inclusive privados, lançados na primeira metade da década passada, a 'Cidade da Copa' não teve prosseguimento", afirmou, em nota, a assessoria do governo estadual.
Fonte: G1
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