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Porta-aviões afundado no litoral de Pernambuco pode gerar danos ambientais que só serão sentidos no futuro, dizem ambientalistas


O afundamento do porta-aviões desativado São Paulo pode gerar impactos ambientais que só serão sentidos no futuro, avaliam ambientalistas ouvidos pelo g1. Desde fevereiro deste ano, a decisão da Marinha brasileira já foi alvo de três ações civis públicas na Justiça Federal de Pernambuco.

O antigo navio havia sido vendido pelos militares para a empresa turca Sök para ser reciclado, mas teve sua entrada negada na Turquia e passou meses vagando próximo ao litoral de Pernambuco.


Uma das ações ainda em tramitação na Justiça foi movida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra empresas que compraram o navio (a Sök e a MSK) e a seguradora da embarcação, Thomas Miller Specialty.

Na petição, o Ibama argumenta que as empresas agiram com atraso e sempre apresentaram documentação incompleta, o que inviabilizou o ingresso no país e a atracação num estaleiro apto a reparar o casco.

Além disso, o processo do Ibama afirma que o porta-aviões afundou com 657,7 toneladas de substâncias perigosas para o meio ambiente, além de 10 mil lâmpadas com mercúrio.

Na petição, o órgão ambiental brasileiro pede o pagamento de R$ 215 milhões, incluindo o valor gasto pela Marinha para afundar o antigo navio.

g1 teve acesso ao inventário de materiais perigosos apresentado pela Sök ao Ibama em agosto de 2022. O relatório estima que o casco tenha 9,2 toneladas de amianto, substância cancerígena proibida no Brasil desde 2017.

Inventário de materiais perigosos do antigo porta-aviões São Paulo estima que casco tinha 9 toneladas de amianto — Foto: Reprodução

Inventário de materiais perigosos do antigo porta-aviões São Paulo estima que casco tinha 9 toneladas de amianto — Foto: Reprodução

O amianto foi identificado em 76 amostras de diferentes partes do porta-aviões desativado.

Para a engenheira civil Fernanda Giannasi, fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o navio poderia ter ainda mais amianto do que o apontado no relatório.

“O inventário de tóxicos do navio não estava completo. Apenas 12% do navio estava investigado. Não se pôde entrar no navio todo, então não se sabia o que tinha lá dentro. Eles falavam em nove toneladas de amianto, quando o navio irmão dele, o Clemenceau, tinha 900 toneladas”, afirmou Giannasi.

Imagem da vistoria feita para identificar materiais tóxicos no porta-aviões São Paulo, afundado pela Marinha na costa de Pernambuco — Foto: Reprodução

Imagem da vistoria feita para identificar materiais tóxicos no porta-aviões São Paulo, afundado pela Marinha na costa de Pernambuco — Foto: Reprodução

Porta-aviões francês

O Clemenceau foi outro porta-aviões construído pela França na mesma época do São Paulo, que então se chamava Foch, na década de 1950. Enquanto o Foch foi vendido para a Marinha Brasileira, que o renomeou no ano 2000, o Clemenceau foi desmantelado pelo próprio governo francês em 2009.

A pesquisadora francesa Annie Thebaud-Mony, presidente da associação Ban Asbestos-France, que combate o uso de amianto no país, lembra que o Clemenceau iria ser exportado para ser desmanchado na Índia, mas por mobilização judicial de entidades como a que ela preside, passou por uma reciclagem verde no Reino Unido.

Ao g1, Thebaud-Mony disse que o governo francês tinha responsabilidade pelo destino do São Paulo. “Primeiro porque a construção foi da França. Quer dizer que o amianto e os outros tóxicos foram introduzidos no navio pela França”, argumentou.

Além disso, quando vendeu o navio para o Brasil, a França incluiu uma cláusula segundo a qual o país precisaria ser consultado pela Marinha brasileira quanto ao destino final do casco.

Annie Thebaud-Mony conta que a Ban Asbestos-France escreveu duas cartas pedindo que o presidente francês Emmanuel Macron ajudasse o Brasil a encontrar uma solução para o caso do porta-aviões São Paulo. As mensagens não foram respondidas.

“Ele podia dar recomendações firmes (ao Brasil). Porque o contrato entre Brasil e França dizia que a França teria a última palavra na hora do desmantelamento. E na Europa tem estaleiros que podiam fazer o trabalho, na Inglaterra e na Holanda”, argumentou a francesa.

Procurada pelo g1, a Embaixada da França no Brasil afirmou, por meio de nota, que:

  • o porta-aviões Foch foi vendido ao Brasil em 2000;
  • no momento da venda, a França forneceu um mapeamento detalhado das áreas contaminadas com amianto.

Agora que o porta-aviões foi afundado, Fernanda Giannasi defende que as autoridades brasileiras precisam monitorar possíveis danos ambientais.


Danos ainda podem surgir

“Pode ser que leve anos para que a gente tenha alterações no PH da água, na qualidade da salinidade, mortandade de peixes, cardumes invasores sendo atraídos por essa poluição”, afirmou a engenheira.

Segundo ela, há várias implicações que podem ocorrer no futuro e, até agora, não há planejamento para que elas sejam minimizadas. “Não posso esperar aparecerem peixes mortos, ou qualquer alteração, para tomar uma decisão. Isso tem que ser feito previamente para tentar mitigar o problema”, defendeu.

O argumento é o mesmo usado na ação movida pela Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA) na Justiça Federal de Pernambuco, que pede uma indenização com base na elevada possibilidade de dano futuro para o ecossistema da região.

“A gente não tem como mensurar exatamente o prejuízo que haverá. Nem se ele se dará agora ou daqui a alguns anos. Por isso, no direito ambiental, se considera a probabilidade de dano futuro”, explicou a advogada Ingrid Zanella, que representa os pescadores.

Para Zanella, há também um dano de imagem para quem vive dos frutos do mar. “Se o Ibama entrou com uma ação afirmando que há um dano, quem vive do mar também está sofrendo aquele dano. A imagem da pesca do Brasil ficou péssima para todo mundo”, argumentou a advogada.

A ação da CNPA tem como alvo o próprio Ibama, a Sök, a MSK e a Thomas Miller Specialty.

“Não colocamos a Marinha como ré na ação porque a gente acredita que ela atuou da melhor forma que ela conseguiria. Mas isso não evita a ocorrência de dano ao meio ambiente”, diz Zanella.

Justiça reconhece dano

O processo dos pescadores é o terceiro apresentado à Justiça Federal de Pernambuco após o afundamento do navio. O primeiro, movido pela ONG Instituto BiomaBrasil ainda em fevereiro deste ano, pediu a adoção de medidas para prevenir e recuperar impactos ambientais na costa brasileira.

Essa primeira ação foi extinta pelo juiz federal Ubiratan de Couto Maurício, sem que o mérito do pedido fosse analisado. Isso porque, após o afundamento, qualquer medida aprovada pela Justiça terá apenas caráter de reparação, não de prevenção.

Apesar de rejeitar a ação, o juiz federal reconheceu em sua decisão ser inegável que haverá dano ao meio ambiente, de dimensão ainda desconhecida.

O magistrado atua na 9ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, a mesma onde tramitam os processos do Ibama e da confederação de pescadores.


Fonte: G1

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