Comissão da Verdade apresenta o relatório dos 31 meses de trabalhos
Do G1.
A Comissão Nacional da Verdade entregou à
presidente Dilma Rousseff o relatório final, em que afirma que a violação dos
direitos humanos foi uma política de Estado, da ditadura militar. A comissão
responsabilizou 377 pessoas.
O relatório da Comissão da Verdade, com 2
mil páginas, foi entregue à presidente Dilma Rousseff na presença de parentes
das vítimas do regime militar. A comissão trabalhou durante dois anos e sete
meses. Ouviu 1.200 testemunhas, entre agentes da repressão e vítimas da
ditadura, que durou de 1964 a 1985. Identificou 230 locais onde ocorreram
torturas e assassinatos de opositores do regime.
Segundo a comissão, as violações aos
direitos humanos foram uma política de Estado, para aniquilar a oposição. A
investigação apontou 377 autores das violações, distribuídos em uma cadeia de
comando.
No topo, estavam os presidentes, ministros
militares e comandantes dos órgãos de informação. Foram eles que, segundo a
comissão, definiram a doutrina de repressão. Todos os presidentes do regime
militar são citados: Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio
Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo.
Abaixo, estavam os comandantes das unidades
onde as violações foram executadas. E havia ainda os autores diretos das
torturas, execuções e desaparecimentos forçados. Entre eles, militares,
delegados das polícias Federal e Civil, policiais militares e médicos legistas,
que assinaram laudos de morte falsos.
A comissão também identificou vítimas: 191
mortos e 243 desaparecidos. Entre eles, estudantes, sindicalistas, operários,
trabalhadores rurais, jornalistas, políticos, líderes religiosos.
A presidente Dilma Rousseff, que foi presa e
torturada durante o regime militar, se emocionou ao falar dos que morreram na
luta contra a ditadura.
“Estou certa que os trabalhos produzidos
pela comissão resultam do seu esforço para atingir seus três objetivos mais
importantes: a procura da verdade factual, o respeito à memória histórica e o
estímulo. Por isso, a reconciliação do país consigo mesmo por meio da
informação e do conhecimento. O Brasil merecia a verdade. Que as novas gerações
mereciam a verdade. E sobretudo, mereciam a verdade aqueles que perderam familiares,
parentes, amigos, companheiros. E que continuam sofrendo, continuam sofrendo
como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”, diz a presidente da
República Dilma Rousseff, emocionada.
A Comissão da Verdade faz 29 recomendações
ao Governo. Entre elas: que as Forças Armadas reconheçam, de forma clara e
direta, sua responsabilidade pelas graves violações de direitos humanos; a
proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe de 64; a
continuidade das buscas aos restos mortais de desaparecidos; e a abertura de
arquivos da ditadura.
Em apenas uma recomendação não houve
consenso. E ela foi aprovada por maioria, não por unanimidade. É a que
considera que os violadores de Direitos Humanos que estavam a serviço do Estado
devem ser punidos pela Justiça porque no caso deles os efeitos da Lei de
Anistia não seriam válidos. A lei foi aprovada em 1979, pelo Congresso,
beneficiando de forma recíproca tanto os agentes do Estado quanto os que
aderiram à luta armada contra a ditadura.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal
confirmou, por maioria absoluta, a validade da Lei de Anistia ao julgar uma
ação da Ordem dos Advogados do Brasil. Dos seis integrantes da comissão, cinco
defendem a punição por considerar que violações aos Direitos Humanos são crimes
contra a humanidade e imprescritíveis.
“Não me parece que nós temos que fazer
revisão da Lei de Anistia. Mas proclamar que a anistia não se estende aos
agentes do Estado que praticaram excessos e violências contra aqueles que se
opuseram. Acho que essa questão é que é importante. Não se trata de rever a
lei. Mas dizer que ela é inaplicável para reconhecimento da impunidade dos
agentes do Estado”, defende o advogado e integrante da Comissão José Carlos
Dias.
O advogado José Paulo Cavalcanti Filho foi
voz isolada na comissão. Ele considera que o Supremo pacificou a questão.
“Eu estudei com enorme cuidado a decisão do
Supremo Tribunal Federal, foi decidido com larga maioria, sete dois, e sou
advogado e estou absolutamente de acordo com a decisão, acho que é uma decisão
tecnicamente correta. Mas não dou maior importância. Eu prefiro destacar na
comissão a busca da convergência”, afirma o advogado e integrante da Comissão
José Paulo Cavalcanti Filho.
No discurso, a presidente Dilma disse que é
importante reconhecer os acordos que permitiram ao Brasil fazer a transição da
ditadura de volta à democracia.
“Assim como respeitamos e reverenciamos, e
sempre o faremos, todos os que lutaram pela democracia, todos que tombaram
nesta luta de resistência enfrentando bravamente a truculência ilegal do
Estado, e nós jamais poderemos deixar de enaltecer esses lutadores e lutadoras,
e também reconhecemos e valorizamos os fatos políticos que nos levaram à
redemocratização”, diz a presidente Dilma Rousseff.
O ministro Marco Aurélio, do Supremo
Tribunal Federal, voltou a defender a lei da anistia. “Anistia é, acima de
tudo, esquecimento. É perdão em seu sentido maior. E mostrou-se naquela época
de transição do regime de exceção para o regime essencialmente democrático,
mostrou-se o viável. E também ela tem contornos bilaterais. Ela beneficiou,
realmente, agentes da repressão, mas beneficiou também agentes que eram tidos à
época como subversivos”, diz Marco Aurélio, ministro do STF.
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